O pensante
A cidade num fim-de-semana é, provavelmente, a coisa mais degradante que existe no mundo civilizado. Em especial, a cidade portuguesa. Não se pensa, apenas se vive, e se imagina desempregado ou com emprego, conforme a situação (oposta) do pensante. Nas esplanadas pequenos generais observam o campo de batalha, estirados em cadeiras, enquanto o calor aperta, e as mãos suam. No meio da serena confusão, uma voz se eleva. A do clássico «pensador de café». Acercando-se das vontades, monopoliza as conversas sob o seu jugo tirano. Sendo português, critica os seus. Aplaude o passado. Evoca velhos ditados populares. Relembra Ramones e The Clash. É um jovem num corpo de velho, estragado. Todos percebem, ao ouvi-lo, que a sua queda se deu algures nos anos 80 e, no entanto, não conseguem esconder um misto de pena e empatia pelo exemplar irreverente. Porque ele diz o que sabe, mesmo não sabendo o que diz. Na sua trágica epopeia, desfalece com um piscar de olhos e uma profecia: A ciência tão exacta e não sabem nada. Agora era bem feita que se descobrisse que o Hitler estava vivo. Era bem feita. Era uma chapada na História. O povo saiu sonhador.
[João Silva]
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