Uma cidade em despedida
Jacinto João faleceu no passado 29 de Outubro. Um «desconhecido» que aprendi a respeitar, graças ao meu avô. Dizia ele que Jacinto João tinha as pernas tortas, tal como Garrincha. Que enfrentava as hordas inimigas sozinho, tal como Garrincha. Que era agreste mas humilde, tal como Garrincha. Que tinha um drible fenomenal, tal como Garrincha. Sobretudo, que era um jogador inultrapassável, incomparável, tal como Garrincha...
Mas há uma diferença: Garrincha era brasileiro, e Jacinto João (o «JJ», como, com afecto, lhe chamavam) era, mais do que português, «setubalense». Não nasceu cá, mas não seria mais amado pelos adeptos, antigos e recentes, velhos e novos, se tivesse nascido. «JJ», pelo que respeito que lhe é devido, e pelos espectáculos e memórias que deu ao Vitória de Setúbal, que nunca terão igual, tem um lugar no «canto de honra» de Setúbal, canto que poderia ser interminável.
Jacinto João não é património do Vitória. Como outros ídolos de outras gerações, o que deixou, não o deixou ao clube. Não o deixou à cidade. Deixou-o aos vitorianos. Aos setubalenses. Deixou-o ao coração de cada um. Não, Jacinto João não é de todos, nem é do Vitória. Mas sim o contrário. O Vitória de Setúbal e os seus adeptos serão sempre teus.
Terra de gente singular e simples, Setúbal alberga diferentes pessoas. Uma terra de querelas mesquinhas e de pouco amor à terra. No entanto, temos a compensação da morte. As gerações passam e os inimigos tornam-se menos inimigos. Os rivais habituam-se às fraquezas uns dos outros. Todos voltam a Setúbal para um último suspirar. Velhos, novos. Ricos, pobres. Bonitos, feios. Cultos, incultos. O meu avô, e Jacinto João, divididos apenas por uma admiração hierarquizante. São, agora, na morte, todos iguais. Todos vitorianos. Todos setubalenses. E em paz.
[João Silva]
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