Igreja, Progresso e Unanimidade
A unanimidade é tirânica. Aliás, exceptuando algumas pessoas mais cépticas, sensatas e conservadoras, tenho a certeza de que a maioria da população deste Mundo sonha com um Estado universal governado por todos, na base do «voto de braço no ar». Os líderes seriam escolhidos numa votação semanal por sms, e os temas políticos fulcrais propostos por delegados na faixa etária entre 18 e 23 anos. Com a adulação cega que se passou a ter, nas sociedades ocidentais, pelo «Jovem», tudo o que fosse novo e irreverente seria digno de ser agenda política. É esta a via que, cada vez menos moderadamente, o Mundo parece seguir: o governo da opinião pública, o domínio da Unanimidade.
Agora que já passaram alguns dias do falecimento de João Paulo II, e alguns dos novos beatos convertidos à pressa frente ao mediatismo das notícias deixaram arrefecer a sua curiosidade pela religião Católica, recomeçam, pontualmente, a emergir as questões do costume, sendo a Igreja Católica (universal) o alvo: preservativo, aborto, eutanásia, etc.
Temas importantes para nós, leigos, católicos ou não-católicos, mas que não significam nada de importante para a Igreja. E com toda a razão, é necessário sublinhar.
Há uma necessidade geral de chamar «tolerância» e «respeito pelos outros» ao estado ébrio que habitualmente reina entre as sociedades mais desenvolvidas na área da comunicação. Mas esse estado não é de «tolerância», é da vitória da unanimidade. Quem elevar mais a voz tem direito a mais tolerância. Tem direito a receber tolerância e reconhecimento por parte de todos os que não partilham dessa crença (ou desse vazio), mas não tem o dever de retribuir.
Os «velhos» são obrigados a tolerar os «jovens». Pois os «jovens» têm sempre razão, pois os «jovens» são criados no seio da evolução e das novas «Verdades». E a Igreja, ao que parece, para esses «jovens», há muito que é demasiado «velha» para ter voto na matéria.
Mas o que parecem ignorar é que a Igreja Católica (e outras crenças) não necessita evoluir conforme a opinião pública, e segundo os padrões, que nos dizem respeito a nós, dos Estados laicos de cada país. Aliás, essa «evolução» seria o fim da Igreja e, por conseguinte, o fim dos princípios que estão, e devem sempre estar, presentes como pilares espirituais de uma sociedade secular que se desenvolve independentemente. No entanto, pelo contrário, a «unanimidade» não descansará enquanto não converter os «intolerantes católicos» - que se limitam (na sua maioria) a expressar opiniões que não são institucionais mas sim básicas do pensamento da Igreja e, por conseguinte, básicas daqueles que resolveram dedicar a sua vida à mesma - à «evidência do Progresso».
Daí ao surgimento, neste século, de inúmeros padres e bispos progressistas vai uma pequena distância. Mas que parece ameaçar encurtar a distância em relação ao pensamento central da Igreja. A «tolerância» que os leigos da «unanimidade» parecem pedir a essa instituição religiosa é que venha cear com eles no «politicamente correcto», no «pensamento correcto» e na opinião pública. «Tolerância» essa que é digna dos piores «exercícios de estilo» da Revolução Francesa ou da Revolução Cultural de Mao. É esta noção de «tolerância» da Igreja que, sendo nós ardentes católicos ou devotos anti-religiosos, crentes ou ateus (estou algures no meio), apenas demonstra o quão ignorantes somos do nosso passado e da nossa cultura.
[João Silva]
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