The Outlaw Josey Wales
Furioso com a fuga de Josey Wales, o Senador Lane afiança a Fletcher, antigo companheiro de armas de Josey:
-Hell is where he's heading for!
-He'll be waiting for us there, Senator.
Josey Wales (Clint Eastwood) era um camponês pacífico perto do fim da Guerra Civil Americana, vivendo com a família algures na fronteira entre Kansas e Missouri. Paz quebrada pelo ataque bárbaro de uma companhia do exército da União, que queimam a casa de Josey Wales, massacram a sua família e, pela espada do líder dos «Redlegs» (bando de criminosos ao serviço da União), deixam um enorme corte na cara de Josey, que será uma marca, que não cicatriza nunca, do seu passado. Uma marca de um passado ao qual não poderá fugir nunca, que o acompanhará para todo o lado.
Depois disto, junta-se a um grupo que lutará ao lado da Confederação, ainda que à margem da lei, liderados por Fletcher. É o próprio Fletcher quem, nos momentos finais da Guerra, cede à União, de forma a conseguir paz. Igualmente atraiçoados pelos líderes da União, que dizimam os seus homens, Fletcher e Josey Wales seguem caminhos diferentes. Um seguindo a União. Outro fugindo dela.
É neste breve prelúdio que se reúnem as condições para Clint Eastwood realizar um excelente filme (baseado no livro Gone to Texas, de Forrest Carter), The Outlaw Josey Wales (1976) talvez um dos melhores westerns/westerns-spaghetti jamais realizados e, certamente, para mim, o melhor de Eastwood neste genre (na minha opinião, suplanta Unforgiven, que é um exercício mais pessoal e sentimental, despido do humor negro de Josey Wales).
É impossível esconder a presença imortal de Sergio Leone em The Outlaw Josey Wales. O próprio Clint Eastwood inúmeras vezes aponta dois «mestres» na sua paciente, sábia e sólida «escola própria de cinema». E esses dois «mestres» são Sergio Leone e Don Siegel, que dispensam apresentações, especialmente se pensarmos nas «séries» Fistfull of Dollars e Dirty Harry, respectivamente, os dois maiores palcos da aprendizagem de Eastwood no que toca a filmes (e personagens) de acção.
O filme conta, pois, com elementos «do mais puro Leone». O próprio facto de ser um dos maiores épicos realizados por Clint Eastwood (devido ao «espaço» do filme, que nos parece extraordinariamente abrangente, ao nível de Unforgiven, The Bridges of Madison County e Mystic River) o instala como um clássico incontornável do cinema americano já influenciado pela magnitude da visão italiana do cinema.
I reckon so (frase repetida vezes sem conta por Josey, ao melhor estilo do Inspector Callahan). A utilização da luz, que, ao longo dos anos, se tornou o atributo mais brilhante e exclusivo do cinema de Eastwood, já me parece dominada neste filme: a silhueta de Wales com o Sol por trás quando abre a porta, escurecendo a sua cara; os olhos de Fletcher (John Vernon, o Mayor do primeiro Dirty Harry) saindo da sombra, no fim; no tiroteio final, os olhos de todos estão tapados pela sombra dos chapéus, à medida que o som e a câmara (num excepcional grande plano das faces dos pistoleiros) aumentam a tensão; a sombra cobrindo parcialmente Wales na conversa com o caçador de prémios.
Mas não é só a luz que revela a mão de Leone no western de Clint Eastwood. Não há homens simples, apenas caricaturas, personagens, mesmo a personagem de Lone Watie, que conta a Josey Wales: «Here in the Nations, they call us the Civilized Tribe. They call us civilized because we're easy to sneak on». Há uma imagem em especial que nos parece transportar para um filme do próprio Leone, de tão clássica que é dos Fistfull of Dollars, e essa é a imagem dos «comancheros» quando encontram Laura Lee (ah, Sondra Locke...) escondida numa carroça, no meio de um assalto a uma caravana, pois todos têm um ar boçal, rude, pateta, extraordinariamente sujo e «impuro» (mais sujos ainda do que é normal nos westerns-spaghetti de Leone e Eastwood).
E depois há cenas memoráveis que deviam figurar no hall of fame do cinema, não só de Clint Eastwood ou de «filmes de cowboys», mas de todos os géneros. Uma das mais épicas cenas é quando Josey Wales vai resgatar Lone Watie e os colonos dos «comancheros», aparecendo no horizonte com o Sol por trás e o índio diz: Get ready, little lady. Hell is coming for breakfast. A cena do diálogo entre Wales e o chefe dos comanches, Ten Bears. E, por fim, não esquecer o encontro entre Josey Wales e o caçador de prémios:
-You one of those bounty hunters?
-A man has got to do something for a living these days...
-Dying ain't much of a living, boy...
Josey Wales não consegue encontrar a solidão, e por isso foge às amarras dos outros homens, em quem perdeu toda a confiança, mas que parecem surgir de todos os lados para perturbar a sua viagem de eremitagem. Despreza os outros, cospe no que é vulgar, ou seja, igualmente em cães e homens (mortos ou vivos).
Mas entende que pode e tem de recomeçar uma nova vida, que começa no momento em que acaba com o líder dos «Redlegs», o fantasma da vida destruída que não conseguia esquecer.
O fim é diferente dos finais «infelizes» que ficaram famosos nos filmes de Eastwood a partir dos anos 90. Josey Wales mata o último homem vivo, precisamente o líder da União que assassinou a sua família, com a sua própria espada, a mesma que marcou, na sua cara, a presença de um terrível passado que o perseguiu todo aquele tempo.
A sua última frase frente a Fletcher, que o deixa partir, é «I guess we all died a little in that damned war». É um frase de expiação do homem que foi, que marca o fim de um Josey Wales e o recuperar de outro.
The Outlaw Josey Wales, no entanto, é um filme subvalorizado, tal como muitos outros do currículo de Clint Eastwood, só agora «reavaliado» com a consagração do Óscar. Um filme subvalorizado, mas injustamente, muito injustamente, já que é um dos melhores de sempre no género de western, e o melhor western-spaghetti alguma vez realizado (se a memória não me falha) por um americano, que é o mesmo que dizer «não realizado por Sergio Leone». Portanto, merecerá The Outlaw Josey Wales, mesmo num genre arriscado, um lugar no meio dos melhores filmes de sempre? I reckon so...
[João Silva]
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