terça-feira, outubro 25, 2005

Vidas no Café I

Num café, pode-se nascer e morrer. Pode passar-nos uma vida à frente. Podem passar até muitas. Incluindo a nossa. Nesse caso, há uma ténue linha entre a debilidade e a dignidade. Tudo depende da escolha do café e da escolha do que fazer com o tempo que lá se passa. Em muitos casos, essa linha ténue é voluntariamente suprimida. Em vidas perdidas no café, dir-se-ia um imperativo esquecer que essa linha existe.
Na verdade, o ponto fulcral de qualquer passagem pelo café da zona (normalmente o «estabelecimento» castiço), ou pelo café longínquo, baseia-se muito numa coisa bastante simples: pessoas. De facto, mesmo o bicho mais fechado sentir-se-á enclausurado num mundo diferente se não sair para ver membros do sexo oposto (sublinhando, aqui, sexo oposto). Por muito que se afaste o espectro do «outrém», essa presença abstracta e sem cara da curta multidão de café é um elemento fulcral de qualquer ávido leitor de perna traçada. Não há conversa, por mais cosmopolita que seja, que consiga chegar aos calcanhares de uma combinação «livro-mulher». Quando houver, é possível que a razão de ser do meu quotidiano e deste blogue perca todo o seu significado.

[João Silva]