domingo, novembro 27, 2005

Animação cultural

Fernando Namora sempre foi um escritor politicamente preocupado com o mundo que o rodeava. Os seus Cadernos de um escritor são exemplo disso. Porém, e apesar de se virar para um espaço político que nunca será o meu, Namora escrevia, para além de excelente ficção, coisas bastante pertinentes:

A animação cultural, portanto, nesta fase de rudimentarismo das populações, deveria ter em vista fundamentalmente a sensibilização dos espíritos aos seus próprios valores, Ensinar as pessoas a servirem-se dos seus sentidos, a entenderem, a interferirem, a reconhecerem, afinal, o significado e a relevância dos actos que as testemunham. Como escreveu Michel Guy: "dar ao público os meios de se identificar." O convívio com obras de arte, a romagem a monumentos e museus, a organização de exposições, palestras, festivais, de pouco valem, ou o seu vinco será efémero, se as pessoas se sentirem de "fora", se não tiverem sido gradual e insistentemente preparadas para um desfrute genuíno. Daí que a cultura, para ser assumida e dinamizada, precise de veículos mais diversos. E não dispense nenhum dos domínios da actividade humana, a escola, a oficina, o recreio. Em todos eles deverá erguer-se uma antena que capte e transmita esse estremecimento pujante que vibra num povo inteiro quando tem alguma coisa a escutar e a dizer-nos.
Educar, revelar, adestrar o gosto. Mas, primeiro que tudo, incitando as iniciativas espontâneas dos interessados. De contrário, desenharemos abstracções num papel impávido, edificaremos templos mortos, como parece ter sucedido à maioria das Casas da cultura com que muitos países, ditos civilizados, julgaram satisfazer as necessidades culturais dos cidadãos.


- Fernando Namora, A Nave de Pedra

[Paulo Ferreira]