O Futuro e o Progresso
Ana Sá Lopes , na sua crónica habitual no Público, escreve, escandalizada, sobre um assunto que passa ao lado do «mundo livre», isto é, escreve«sobre as práticas de tortura autorizada pela administração de Washington para o combate ao terrorismo». Ora, Ana Sá Lopes, num artigo que poderia ser bastante pertinente para uma hipotética discussão sobre um assunto que nos aflige a todos, limita-se a despejar meia dúzia de ideias feitas sobre uma administração política já suficientemente demonizada pelos meios de comunicação em geral.
Em primeiro lugar, Ana Sá Lopes começa por referir o seguinte: Não saber, não perguntar. É desta maneira que o mundo «livre» tem optado por reagir às notícias sobre as práticas de tortura autorizadas pela administração de Washington para o combate ao terrorismo. Ora, ou muito me engano, ou o tal «mundo livre» de que fala Ana Sá Lopes só parece conhecer casos de tortura nos Estados Unidos de George W. Bush. Tenho a impressão, aliás, de que todas as mais variadas práticas de tortura, que antigamente abundavam em paraísos como o norte-coreano, se concentraram unicamente no regime tirânico de Washington.
Posteriormente, Ana Sá Lopes refere uma coisa muito curiosa : Na «suja» prisão da baía de Guantánamo, a ONU foi, na sexta-feira e mais uma vez, impedida de entrar. Os Estados Unidos recusaram que qualquer dos inspectores viessem a ter contacto directo com os prisioneiros - o que, obviamente, tornava inútil a missão das Nações Unidas. Para Washington, a guerra é a guerra e a ONU não tem que ter voto na matéria. A China, onde os inspectores das Nações Unidas se deslocam a partir de 3 de Dezembro, aceitou essa condição básica que os Estados Unidos recusaram. Pelo que Ana Sá Lopes dá a entender, a China, o bom aluno do desenvolvimento progressista, faz aquilo que os Estados Unidos não fazem, ou seja, abre as suas portas à ONU. Acontece que a China não é exemplo para ninguém a nível de direitos humanos, nem sequer vive constantemente ameaçada por ataques terroristas, como é o caso dos EUA. Além disso, não sei que papel poderia desempenhar a ONU num país democrático, livre, rico e generoso como os Estados Unidos. Bem pode ser verdade que se pratique tortura nos EUA, mas também pode ser verdade que a ONU, organização que roça os mais absurdos limites do politicamente correcto, só tem legitimidade para se prestar aos papéis que se presta porque tem a América de Bush a alimentá-la.
Finalmente, vem a questão da tortura enquanto conceito moral. Ana Sá Lopes, seguindo a linha de raciocínio politicamente correcta do flower power, parece, através daquilo que os seus escritos levam a entender, repudiar qualquer tipo de violência. E, para manter essa linha de raciocínio, Ana Sá Lopes coloca na lista das coisas extremamente desumanas actos tão simples e tão humanos como a tortura. Ora, bem sei que a violência não agrada a ninguém e que a tortura não será a melhor forma de lidar com algumas situações. No entanto, não deixo de acreditar que, nalguns casos (e penso concretamente na prisão para terroristas de Guantánamo), a tortura deixa de ser um imperativo moral para ser uma necessidade. Afinal de contas, que tipo de informação ultra-secreta se consegue retirar de terroristas que desejam morrer estoicamente? Através da palavra e da negociação? Ou através da coacção física? Ou seja, não querendo afirmar que a tortura é a melhor das formas que os humanos têm para conseguir comunicar entre si, acredito que, por vezes, a necessidade obriga a que se recorram, infelizmente, a actos extremos como a violência. A guerra é exemplo disso.
[Paulo Ferreira]
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