quinta-feira, dezembro 29, 2005

O miúdo

O miúdo gostava de se pendurar em bancos de autocarro para contemplar a beleza da natureza. Sendo o miúdo pequeno, tornava-se natural o acto de se empoleirar em algo que o tornasse mais alto. Certo é que, empoleirado nos bancos de autocarro, o miúdo conseguia vislumbrar aquilo que muitos de nós, mortais, não conseguimos: a beleza de um arco-íris, por exemplo.
Mas nem sempre foi assim. Certo dia, o miúdo, distraído com o que se passava fora da sua realidade palpável, foi brutalmente projectado para fora do autocarro em que viajava, tornando-se a partir desse momento, num ser inapto para a contemplação, isto é, num morto. E foi assim, morto, que o miúdo serviu de exemplo a todos aqueles românticos que sonhavam com uma morte trágica.

[Paulo Ferreira]