terça-feira, janeiro 10, 2006

Um homem

Bannan, comandante e herói de várias tempestades, observa-se ao espelho com um revólver apontado ao crânio. Bannan, o herói, ao reparar no seu corpo, repara também nas fezes que o rodeiam. Afinal, este homem que agora se olha fixamente ao espelho já foi um mestre, um chefe supremo de batalhas, um combatente inexorável. Mas já não é: deixou de o ser há muito. Dir-se-ia que Bannan deixou a sua armadura de cavaleiro cair no momento em que apareceram as fezes. As fezes fazem parte da vida de Bannan e este faz parte da vida das fezes. Não há volta a dar ao caso. Bannan caiu na escória e tornou-se parte dela. Deixou de ser admirado.

No entanto, os heróis, mesmo os que já não o são, precisam de ser admirados. Bannan não constitui excepção à regra. Por isso, não é de espantar que, de frente para um espelho, Bannan tenha pegado num revólver para se matar. E morreria, o homem, se tivesse tido uma vida convencional. Mas como uma vida convencional não faz parte dos planos de homens como este, Bannan não morreu. Apesar de ter rebentado o crânio com uma bala, Bannan continuou a viver, embora num mundo menos racional, é certo, mas não morreu. Bannan, o comandante, tornou-se cão. E fazia ão-ão, o cão. Que engraçado se tornou o valente do Bannan.

[Paulo Ferreira]