terça-feira, julho 13, 2004

A grande família comunista

O PCP nasceu partido de elite. O socialismo operário é, tal como o próprio operário, tardio em Portugal. Como tal, os partidos com «objectivos socialistas» também teriam de ser tardios. Logo, o PCP não nasce dos operários. Quando muito, nasce para eles. Nasce da ideia e obra de alguns intelectuais. No entanto, em Portugal, nasce, ou dá os primeiros passos, na clandestinidade, debaixo de uma ditadura de União Nacional e de Direita, de génese conservadora. E esse é o verdadeiro intento do Partido Comunista Português: lutar contra a ditadura. Derrubar a ditadura estava em causa, mas o objectivo inicial era lutar, lutar para crescer como partido. Só depois, fortalecido, se pensaria em grandes acções.
No entanto, os líderes da ditadura vão caindo. Em 1968, Salazar cai da cadeira e, em 1974, Marcello cai do poder. Há outra data importante: o período de 1975/76, ou seja, o período em que se consuma a crise. A pretensa «traição» de Mário Soares só pôde significar uma coisa para os (ainda moderadamente) velhos comunistas: já ninguém confiava no PCP, excepto os próprios comunistas. Essa é a verdadeira mas triste realidade do PCP. A noção de que só há confiança entre os militantes do partido. Como uma grande família. O PC não confia nos outros, os outros não confiam no PC. E assim se foram fechando e envelhecendo, cada vez mais, nos últimos 30 anos.

No PC, as pessoas conhecem-se. Comparecem às «iniciativas» em família, trazem bebés ao colo, perguntam pela saúde uns dos outros. Nas palavras tristes de uma velha militante, «se o PC desaparecesse, eles ficavam espalhados por aí». Cunhal tenta com desespero que eles não se «espalhem» e eles assistem desesperados a uma luta incompreensível, na eminência de uma catástrofe de que não se julgam merecedores. Poucos ou muitos, os que sobrarem depois de 6 de Outubro, não abandonarão o «Álvaro», nem ele os abandonará a eles. Eles, no fundo, não são comunistas. São «do partido» e, como se sabe, «no partido» os camaradas só se despedem «até amanhã».

Vasco Pulido Valente, Retratos e Auto-retratos.

[João Silva]