sexta-feira, dezembro 17, 2004

Um íntimo anoitecer

Agora vai ser assim: nunca mais te verei.
Esse facto simples, que todos me dizem ser simples, trivial, e humano, como um destino orgânico e sensato, fica em mim como um muro imóvel, um aspecto esquecido e altivo de todas as coisas, de todas as palavras.
Sempre nos separaram as circunstâncias, e a essência mesma dos dias, quanto entre a relva e a copa das árvores me esquecia de pensar, e o ar passava por mim antes de erguer os caules verdes e alimentar a vida sem imagens da paisagem. Marcávamos férias em meses diferentes. O fim do ano, a páscoa, calhavam sempre em outros dias. Tesouras surdas rompiam o cordão dos telefones, e por engano urgentes cartas atravessavam o planeta, apareciam anos depois no arquivo municipal.


António Franco Alexandre, Uma fábula

[João Silva]