Take me away
Era uma noite igual a tantas outras. Nada parecia existir. Eu conduzia desvairadamente um velho automóvel. Devorava o asfalto a uma velocidade estonteante, numa tentativa de tornar tudo menos monótono.
No meio de toda a adrenalina que parecia ter-se apoderado do meu corpo, entorno uma cerveja em cima de um vestido barato que usavas quando me querias agradar. Descontrolo-me. Um automóvel aproxima-se perigosamente. Grito. Vejo o teu sorriso reflectido nos faróis, que se preparavam para nos engolir. Adivinha-se a tragédia. As lágrimas percorrem-me o rosto. Simultaneamente, o meu corpo começa a flutuar, por entre vidros estilhaçados, na direcção das cassiopeias. Durante aquele tempo fragmentado, apenas fecho os olhos e deixo-me levar.
“Partiremos os dois”, era o que me vinha à cabeça.
Quando pensava que já não pertencia ao mundo dos vivos, abro os olhos e vejo dois carros espatifados à minha frente. Corro na direcção do teu corpo adormecido. Abro a porta e inclino-te destemperadamente, sem saber o que fazer. O sangue que se esvaía das tuas lívidas faces dilacerava-me a mente. O desespero era profundo. No meu intimo, sabia que te tinha perdido, que a vida já te havia fugido das mãos. Mesmo assim, apertei-te com toda as minhas forças. Queria ter-te, assim frágil, nos meus braços, eternamente; queria apertar a tua carne rasgada com todas as minhas forças; queria esfregar-me no sangue derramado e permanecer ali deitado na lama; queria morrer contigo.
[Paulo Ferreira]
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