Gama, Coelho e Vitorino
A grande questão do governo que «Sócrates compôs», ou melhor, que o aparelho do PS atribuíu (como uma espécie de Academy Awards, nos quais Freitas recebeu o «prémio» mais sincero e digno do nome) reside na ausência de algumas personalidades que acompanharam a campanha política de José Sócrates desde o início, mesmo com uma ou outra perturbação pelo meio. Jaime Gama, Jorge Coelho e António Vitorino talvez sejam as três figuras mais faladas em relação a tal «ausência», mas, penso eu, com alguma precipitação.
Jaime Gama é «cá de casa». Talvez seja, actualmente, o membro do Partido Socialista que mais respeito, por nenhuma razão visível em especial. Gama é um político inteligente, de carácter, e um «embaixador» habilidoso, que, tenho a certeza, faria muito mais e melhor do que o «perigoso» Freitas do Amaral na pasta dos Negócios Estrangeiros (Freitas dar-nos-à um mundo de dissabores caso Condolezza Rice tenha lido o seu magistral e seríssimo Do 11 de Setembro à crise do Iraque). Mas, num Portugal «europeu» e «bom menino» à imagem de José Sócrates, Jaime Gama não teria lugar. A Assembleia será, assim, o reconhecimento solene da sua importância e carreira.
Jorge Coelho e António Vitorino são os dois trunfos do PS desde há alguns anos. Surgem sempre na altura das decisões, na altura de aparecer «em família» perante o «Povo». Se não estiverem nesse momento, os portugueses desconfiam de turbulência no partido. Um carrancudo, temente a Deus, sério, firme e honesto, o «português perfeito», o honrado homem dos comícios e das gritarias finais, Jorge Coelho, sorumbático mas carismático. Outro, António Vitorino, «sábio», «racional», «equilibrado», vista a sua superioridade moral legitimada pela UE, surge-nos agora com um risinho cínico e com um lápis sempre apontado à opinião pública, sempre pronto a corrigir, à velha maneira de Sean Penn, as injustiças que não correspondem ao seu conceito de justiça.
Estão ambos fora das pastas deste Governo, mas estarão mesmo fora da corrida do PS às eleições dos próximos anos? Jorge Coelho será, provavelmente, o «suplente de luxo» para os problemas que se adivinham (é normal) nos diferentes Ministérios nos próximos tempos - e toda a gente se comove quando Coelho surge em socorro do PS. Vitorino, ao que parece, aponta para a Presidência.
O que nos leva ao outro ponto. Como estará o PS a ponderar a «substituição» de Sampaio? Vitorino ou Guterres? Frente a um Cavaco Silva - sempre clarividente e austero como Leonard Nimoy, a roçar os 60% em sondagens, e a tentar adiar, para o último momento, a sua entrada triunfal -, os possíveis candidatos socialistas, ambos ainda a cheirar a «guterrismo» mal corrigido, parecem ter poucas hipóteses, se Sócrates não fizer os portugueses chorar de alegria pela eficácia e habilidade socialista. Como se sabe, governos de despesismo social sempre convencem, nos primeiros tempos, os indecisos das «classes média e baixa». Os impostos vão subir. A despesa pública, portanto, salvo alguma curiosidade sincera por Campos e Cunha, adivinha-se alta. A dedada de Guterres ainda não desvaneceu. Manter-se-à até à Presidência? O facto é que andamos muito distraídos, pois ninguém neste governo foi «deixado de fora». É esperar para ver...
[João Silva]
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