terça-feira, junho 21, 2005

Mútuo Consentimento II

Outro galo cantaria se em vez de olhares
para a câmara olhasses para mim.
Nunca olhas para mim. E assim parece
que tanto te dá estares comigo ou com outro.
Quando podias olhar para mim, quando
fazes uma pausa para respirar, também
não olhas, limitas-te a fechar os olhos.

E ao voltares depois de teres respirado
alguns segundos, abres então muito os olhos
para veres bem o que estás a fazer
É a minha vez de fechar os meus, nunca
nos olhamos cara a cara e raramente
retine nos meus ouvidos a verdade pura.

Crus e duros são os teus olhos, não esses
que vêem um pormenor do meu penteado,
o horário escolar, a lista das compras,
mas os outros, que até mudam de cor, entretidos
no que sabes fazer tão bem até ao fim.
Crus, porque não me dizem se é só uma técnica
de amor, duros porque parecem pedras.

Desvias-te dos meus olhos para não leres
coisas neles, há uma câmara ao canto
que nos vê a nós os dois, tu olhas para a câmara
e não olhas para mim. Não te interessa que isto
nos meus olhos seja riso ou choro, não abres
os teus olhos contra os ossos da minha cara.


Helder Moura Pereira, Mútuo Consentimento

[Paulo Ferreira]