Um homem generoso
O homem acordou cedo e beijou a mulher, antes de se levantar para ir para o trabalho. Deixou o pequeno-almoço feito para quando os três filhos acordassem, pegou na pasta e saiu de casa.
A caminho da repartição, parou o carro no semáforo e, depois de lhe lavarem o vidro, deu gorjeta de cinquenta euros. Visto que escolheu aquele caminho, propositadamente, pela primeira vez e chegou atrasado ao trabalho, pediu desculpas ao chefe e aos subordinados, deixando-os surpresos. Durante o dia, tratou todos pelo primeiro nome, desejou-lhes boa noite e, para compensar, trabalhou até mais tarde.
Saiu já tarde do trabalho, e encontrou o velho professor a dormir na entrada. Deixou-lhe o almoço que não comeu e entrou no carro.
Ao cruzar o seu jardim, olhou para a janela, acenou, e sorriu à mulher, que olhava preocupada para um marido que nunca a amou.
O funcionário estacionou na garagem, como sempre, e desligou o motor. Apanhou a fotografia datada da mulher que estava perdida e suja no tapete do carro, e olhou-a. Sorriu, respirou fundo, e abriu o porta-luvas.
Sentia-se cansado deste dia. Às 23:42, pegou no revólver e matou-se.
[João Silva]
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