O desafio de Lisboa
As eleições autárquicas estão aí à porta. Para além do Porto (e a esperança de mais Rui Rio) e da minha cidade - que, generosamente, vai albergando os últimos comunistas, estrangeiros num mundo em mudança -, é em Lisboa a Câmara que, compreensivelmente, mais interesse me desperta. Deixando de ser uma questão de vereadores de este ou aquele partido, tornou-se um caso sentimental, para além das características políticas.
Ruben de Carvalho tem a missão que se lhe espera, uma louvável ortodoxia ideológica, uma reverência universalista aos valores do velho V. I. Ulianov, ainda que atenuada por uma (francamente duvidável, de tempos a tempos) clareza pessoal em assuntos mais terrenos, como o trabalho em vez dos trabalhadores, ou a oposição ao PS. Não é de esperar, no entanto, que seja levado a sério depois das corajosas e líricas homenagens que tem prestado a regimes desumanos fora de Portugal.
Maria José Nogueira Pinto lidera a candidatura de um CDS cambaleante, ainda desencontrado com a eleição de Ribeiro e Castro e, ainda menos, alheio à enorme queda que se avizinha depois da saída do mediatismo de Portas. Nogueira Pinto, pela sua evolução política sui generis, como uma boa parte do seu partido, nunca me despertou grande empatia social e política. No entanto, e como causa de um reconhecimento de mérito mais pessoal, a sua persecução de um ideal social (realizável), baseado numa noção de «solidariedade» característico das linhas democratas-cristãs, levou a um currículo digno, sério e com «gestões» eficientes de recursos e pessoas (em vez do insultusoso e militarizado termo «recursos humanos»).
José Sá Fernandes, por seu lado, lembra a velha geração oitocentista. Discute a situação de Lisboa e a sua candidatura nos cafés, com naturalidade. Reúne personalidades e intelectuais desencontrados e desiludidos com as gerações de dirigentes partidários actualmente (e futuramente) em funções. Aponta baterias a assuntos tão úteis e urgentes como a ultra-especulação imobiliária, como indicou Vasco Graça Moura ontem no Diário de Notícias. Enfim, para pessoas que tinham saudades da oposição de outros tempos pré-republicanos, ou que viraram ou querem virar as costas à inércia sonhadora dos políticos formados nas sempre activas na produção de fornadas das «Jotas», este é o candidato que se esperava.
E depois vem Manuel Maria Carrilho. Penteia-se bem antes de sair em pré-campanha, arranja as sobrancelhas, exibe Bárbara Guimarães e filho, sorri e sonha. Faz-nos a todos pensar num futuro radiante. De tão radiante que se adivinhará desastroso. A sua vitória está tudo menos assegurada, mas é bem provável que a consiga. A forma como Carrilho sorri nos cartazes de Lisboa parece sugerir a frase da famosa rainha de França: «Não tem pão, coma brioche», e em tempos de (eterna) crise, é a atitude que os lisboetas menos artísticos verão ser reflectida na actividade camarária quando as finanças apertarem. Eternamente principesco, Carrilho ilustra a lista, e a candidatura, mais poética a Lisboa. E, portanto, mais aérea.
Candidatura bem mais prosaica, mas também mais eficaz, é a de Carmona Rodrigues, de um PSD «menos PSD» do que os outros. Algo nele me faz lembrar Giuliani, talvez pela certeza de três valores comuns: segurança, seriedade e execução. Como primeiro trunfo está a forma generosa como, paciente e gradualmente, numa «política de pequenos passos», pisou o egoísmo ignorante de Santana Lopes, e ganhou um lugar e imagem simpáticos junto dos lisboetas. Saíu dos últimos anos de governo PSD/PP, e da Câmara de Lisboa, com uma imagem de sincera isenção e, exceptuando o natural orgulho político, permitido e louvável, Carmona Rodrigues não espera vir para a Câmara em busca do Mundo. Não quer «amar Lisboa e os lisboetas», quer trabalhar pela cidade e, importante, na cidade, coisa que tem faltado. Pela importância óbvia que tem na condução dos destinos da economia e investimentos, como capital de um país em busca de retoma do crescimento, Lisboa mantém-se solidamente como cidade e autarquia mais importante a ganhar. Mesmo que à cabeça da lista de um partido oscilante, Carmona Rodrigues é o melhor candidato. Para Lisboa, mas não só.
[João Silva]
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