Sofrer o Verão I
Para uma criatura disforme e albina como eu, o Verão sempre teve efeitos perigosos, ameaçando a metamorfose num ser pegajoso e suado. Ainda assim, mesmo antes de perder os sentidos, sempre me vem à memória uma passagem de Camus no Estrangeiro:
«Era o mesmo brilho avermelhado. Na areia, o mar ofegava com a respiração rápida e abafada das pequenas ondas, que se sucediam umas às outras. Dirigia-me lentamente para os rochedos e sentia que a testa me inchava, sob o peso do sol. Todo este calor se apoiava contra mim, opondo-se ao meu avanço. E cada vez que sentia o sopro quente deste calor enorme na minha cara, cerrava os dentes, qpertava os punhos nas algibeiras das calças, retesava-me todo para triunfar do sol e da embriaguez opaca que caía sobre mim. A cada espada de luz surgida da areia, de uma concha esbranquiçada ou de um vidro partido, os queixos crispavam-se-me. Andei assim durante muito tempo.»
[João Silva]
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