domingo, setembro 18, 2005

Prazer submisso

Acabo de ler Servidão Humana (Of Human Bondage no original) de Somerset Maugham com todo o prazer imaginável. Admito que nunca tinha lido nada de Maugham antes de pegar nesta obra publicada em 1915. Mesmo assim, sendo um leigo em matérias de Maugham, não posso deixar de fazer algumas considerações sobre um romance que muito me fascinou.

A personagem principal de Servidão Humana é Philip Carey, estudante de medicina que sonha com deambulações múltiplas por diferentes espaços culturais europeus. No entanto, Philip, à semelhança de várias personagens imortalizadas por Dostoievski, é um rapaz apaixonado por uma mulher deveras libertina, o que faz com que muitos dos planos que o jovem britânico vai idealizando para a sua vida saiam frustrados. Aliás, é devido a essas imprecações amorosas que Philip enfrenta grandes dificuldades para concluir o seu curso (homens fracos, apaixonados por libertinas, têm, normalmente, grandes dificuldades em manter dinheiro na carteira). Somerset Maugham, à semelhança da personagem por si criada, também estudou medicina e, ao que parece, também sonhou com deambulações um tanto ou quanto diletantes, o que leva a crer que Philip seja uma espécie de alter-ego do seu criador.

Mildred é o nome da jovem libertina que, com os seus maduros encantos, seduz todas as atenções de Philip. Ao longo de todo o romance, destacam-se as muitas cenas em que Philip, devido a esta ou àquela situação, se vê rebaixado à sua condição de coxo ( Philip tem um pé boto). Geralmente, essas cenas estão todas ligadas a Mildred, mulher fútil e caprichosa, que não hesita em humilhar a personagem principal da obra. Para quem leu obras como Noites Brancas ou O Eterno Marido de Dostoievski, as personagens de Mildred e de Philip são bastante conhecidas: Philip é o eterno marido, o eterno apaixonado, que se deixa trair e humilhar devido à doença amorosa de que padece; Mildred, por seu lado, representa a mulher infiel, que não olha a meios para satisfazer os seus caprichos. Todavia, e ao contrário daquilo que acontece nas referidas obras de Dostoievski, Philip, apesar de viver sempre sob a sombra do vexame, acaba por ganhar consciência do seu estado febril e, por conseguinte, acaba, no final, por dar-se conta da vulgaridade de Mildred. Ou seja, quando seria de prever que o herói de Servidão Humana seguisse uma trajectória deveras conhecida, na qual a personagem principal nasce e morre feliz dentro da desgraça, Philip tem uma mudança radical no que diz respeito aos seus sentimentos por Mildred. E é por isso que não se pode afirmar que o «herói» de Maugham seja uma espécie de eterno marido, até porque, no final, Philip encontra a felicidade que não encontrara ao lado da fútil mulher.

Apesar de ser possível de se encontrar vários outros pontos de discussão numa obra tão vasta e tão rica como Servidão Humana, julgo que é esta relação entre Philip e Mildred que mais consegue fascinar o leitor. É o síndroma de corno presumível que está em questão e, a isso, não há curiosidade que resista.

[Paulo Ferreira]