Vidas no Café IV
A perda do romantismo (com minúscula) é, frente ao quotidiano urbano, algo praticamente inevitável. No entanto, ainda existem sítios que nos fazem sonhar com um futuro, quiçá, diferente, mais ilusório, menos real. Os cafés pertencem a esse conjunto de sítios. É certo que nem todos os cafés são influenciados pela aura do amor ou da sedução, mas esses, os que não acolhem a chama dos apaixonados, não nos interessam, já que só servem mesmo para beber um café ou para acender ocasionalmente um cigarro. Os cafés são, com efeito, locais onde um indivíduo normal e pacato pensa em apaixonar-se ou, na melhor das hipóteses, arranjar tardes de tórridas paixões com qualquer uma ingénua funcionária empresarial. Assim, não raros são os dias em que me sento num banco de café para me perder de paixão por alguém. O problema é que os meus olhares nem sempre se cruzam com os olhares das belas representantes do sexo fraco (não por falta de empenho meu, diga-se).
É nos dias de chuva, como o de hoje, que os namorados se sentam nos cafés para conversarem sobre temas na maior parte das vezes aborrecidos ou enfadonhos. Aliás, os namorados, quando se sentam nos cafés, dizem, não se sabe bem por que razão, as piores alarvidades deste mundo. As mãos colam-se umas às outras e as línguas fazem um esforço para permanecerem circundadas pelos dentes. É também nos dias de chuva que os grandes cérebros da literatura portuguesa decidem sair dos seus cubículos para escrever. É óbvio que os escritores que saem de casa para escrever sobre a chuva e sobre o sofrimento que ela provoca na alma humana não podem ser grandes escritores, mas isso é outra história. A verdade é que, com a chuva, os cafés enchem-se de gente, as pernas femininas cobrem-se de roupas e os sentimentos têm menos vontade de se dar a descobrir. Definitivamente, a chuva, ao trazer muita gente para os cafés, acaba com o romantismo. Afinal, não é possível que uma pessoa se apaixone por outra a ouvir o sr. Martins a falar de Wall Street ou de negócios «para milhões e milhões de dólares».
[Paulo Ferreira]
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