terça-feira, novembro 22, 2005

Ódio à hierarquia

Os professores têm tarefa ingrata. São, inevitavelmente, a parte mais importante da hierarquia da educação, se excluirmos os pais e demais tutores da equação (nem vamos falar de gestores e reitores). No caso dos «bons» professores, sobretudo, há uma tarefa ingrata: está nas suas mãos, e sentem a responsabilidade, de arcar com os meliantes universitários. Quer queiram quer não, os mais irritantes ali estarão sempre, sendo a sua assiduidade inversamente proporcional ao desagrado demonstrado pelo docente em relação à sua presença. Na verdade, o conflito entre «nós» e «eles», tradição milenar, é especialmente acarinhado entre os portugueses.

Os portugueses não gostam que mandem neles. Mesmo quando se inserem voluntariamente num grupo ou «comunidade», cofiam o bigode de desconfiança até terem o patrão, chefe ou superior bem debaixo de olho. Aliás, o único sítio da sociedade portuguesa onde o português realmente se insere é o quartel: na tropa, uma boa parte dos portugueses aprende a obedecer por alguns meses, isto devido ao berro e ao murro - dignos representantes dos bons velhos tempos da obediência. Já as praxes, no trabalho, na escola ou na universidade, são uma sôfrega mas triste e vã tentativa de repetir e reviver o institucional rebolar na lama. Afinal, o português só consegue obedecer se pensar: «um dia serei eu a mandar, e aí...».

As escolas sempre foram um local privilegiado para criar personagens burlescas dos «superiores», neste caso de quem «sabe mais». Os professores são o objecto dessa caricatura. Tomemos o exemplo, exclusivamente, das universidades. Diz o menino Zé Martinho a um colega: «O Pedrosa anda-me a passar a perna». Isto pede, obviamente, ao colega que alimente a raiva ao senhor: «Eu nunca topei o gajo, tu põe-te a pau». É claro que a substituição do professor por um leviatã (ou leviatão, as opiniões dividem-se) exige uma substituição do nome: «O Zezé é uma seca». Aliás, até em tempos de ditadura os portugueses, mesmo os mais aficionados do salazarismo diziam apaixonados do seu líder: «o Botinhas não é mau de todo, mas em mim não manda». Todo o português detesta a hierarquia. É assim que se fazem as revoluções. É assim que, por vezes, se começam nações. Ou muito me engane, também seria assim que Portugal rejeitaria a Constituição Europeia. Basta apanhar-nos num mau dia...

[João Silva]