segunda-feira, dezembro 05, 2005

Miguel Esteves Cardoso

Se não estivesse a escrever sobre um autor que muito aprecio, seria capaz de exclamar, a plenos pulmões, um grande ufa! de alívio. Afinal de contas, não é todos os dias que se acaba de ler «toda» a obra de um autor. Felizmente, como a obra em causa é a obra de Miguel Esteves Cardoso, não sinto qualquer tipo de alívio ou de contentamento por ter acabado de ler todos os livros que ele escreveu. Pelo contrário, sinto-me triste, terrivelmente triste por não poder comprar livros de Miguel Esteves Cardoso que ainda não tenha lido. Esta sensação de impotência, que a partir de hoje me acompanha, é similar àquela sensação do jovem apaixonado que, no momento em que os beijos lhe sabem melhor, vê o seu par romântico fugir-lhe entre os dedos sem nada poder fazer.

Neste momento poderia estar a escrever uma elegia dedicada a Esteves Cardoso, repleta de perfumes cientificamente literários. Porém, como não me vejo capacitado nem com vontade para fazer tal coisa, limito-me a reafirmar a minha extrema devoção por um escritor/cronista com quem tanto aprendi. Não digo que tenha sido bastante influenciado por Esteves Cardoso na minha forma de escrever ou de pensar, até porque seria um acto deveras pretensioso da minha parte julgar-me herdeiro de Esteves Cardoso. Assim, e para que não surjam confusões , escrevo que não, que não me sinto suficientemente dotado sequer para me sentir leitor de Esteves Cardoso. Com efeito, o autor de livros como Os Meus Problemas ou O Cemitério de Raparigas é um vulto superior da cultura contemporânea portuguesa. Sem dúvida. Logo, parto do princípio que não existam muitas pessoas com capacidade suficiente para se tornarem vultos de uma cultura nacional, seja ela de que país for. Eu, sendo um mero imberbe nestas coisas, apenas me posso congratular por ter acesso a uma das figuras que mais gosto me fez ter pela leitura. No entanto, se tivesse que acabar agora este pequeno texto, e com certeza que o vou acabar daqui a poucas palavras, diria que Miguel Esteves Cardoso é aquele escritor que eu gostaria de ser um dia. Que gostaria de ser. Um dia. Sem hipóteses para lá chegar, bem sei. Mas, mesmo assim, gostaria.


[Paulo Ferreira]