segunda-feira, dezembro 19, 2005

A poesia automóvel

Desde pequeno que sonho em transportar-me constantemente de táxi. Bem sei que o sonho chega a roçar os limites de toda e qualquer parolice. No entanto, ao ver os táxis passarem por baixo da minha janela, não posso deixar de confessar que gosto de andar de táxi. Só o nome fascina-me. Táxi. Só o nome dá vontade de abraçar. Queria ser taxista.

Era eu menino e moço quando a minha primeira professora me perguntou o que eu queria ser quando fosse grande. Eu, sempre confuso quanto aos meus sonhos e desejos, respondia: «Se não fosse pedreiro ou jogador da bola, gostaria de ser taxista.» A população infantil bem que gozava com a minha pessoa no recreio. Porém, agora que o tempo passou, e que não tenho medo de admitir que sonhava muito acaloradamente com essa minha primeira professora, eu é que me farto de rir. Afinal de contas, todos esses meus amigos de infância é que se passeiam ilustremente por entre os férteis campos dos «baldes de massa». Além disso, se se descontar o Adérito, que é drogado e orfão de chupeta, nenhum desses meus antigos amigos se tornou taxista. Nem eu me tornei, mas, pelo rumo que as coisas estão a tomar, é bem provável que um dia ainda realize esse meu antigo sonho.

Como já referi, gosto de andar de táxi. Sou fanático por táxis. Não me importaria de ser taxista só para andar sempre de táxi. Seria, provavelmente, um novo De Niro dos táxis. Seria um tipo que, ao mais leve sinal de presença adolescente a queimar os meus estofos, diria: «O amigo desculpe mas só transporto pessoas de outro calibre. Já dizia o outro que calça suja não limpa urtiga!» (esta inventei eu). Para os clientes politicamente mais empenhados, seria um bom ouvidor. Seria o ouvido que se faz surdo. Isto é, seria o ouvido fascista, o ouvido que, quando a louça se parte, desfaz a fronha a qualquer um. Por estas e por outras é que digo que a minha pessoa daria um bom condutor de táxis. Afinal, trata-se de um sonho. E com sonhos não se brinca.

[Paulo Ferreira]