domingo, agosto 01, 2004

A angústia de Vincent



Há algo de trágico transmitido, por van Gogh, aos seus quadros. A cor adquire uma importância inominável na forma de expressão do holandês: a arte. Cada velha árvore, cada seara, cada ponte, cada personagem, ultrapassa as sensações do artista e torna-se objecto de uma expressão brutal da angústia de van Gogh. É uma realidade transposta, para a tela, não «através» dos olhos, mas do «coração», do irado sentimento, da perturbada e desconfiada mente de Vincent.

O céu torna-se avermelhado ou negro, em vez de uma académica representação de um entardecer. Os corvos invadem o campo de visão do observador como se fora a própria Humanidade numa acção de contínua fustigação (expressão do destino de solidão). O céu, negro, de noite, parece preparar-se para tragar o luar e os reduzidos focos de luz em Noite Estrelada.

Enfim, toda a obra de van Gogh, em especial a dos anos de Arles, é uma premonição consciente da tragédia que seria a sua vida. No dia em que decidiu pintar a cadeira de Gauguin na ausência deste, tudo passou a fazer sentido: van Gogh estava só, sofria, e aguentá-lo-ia (o sentimento de solidão) até à sua morte. Assim foi. Morreu sozinho, absorvido pelo turvo céu dos seus quadros.

(imagem: Auto-retrato com orelha ligada, 1889)

[João Silva]