domingo, outubro 10, 2004

Brooklyn is everywhere



Não sou um perito em cinema. Não vejo filmes por obrigação. Sou impaciente quando «aguento» horas de um filme horrível (não sendo, no entanto, capaz de sair a meio, como o capitão que se afunda juntamente com o seu vaso de guerra). Tenho, no entanto, uma infância que coincidiu com a era da «chuva» de cinema de Hollywood, a era da sobrepopulação cinematográfica. Os filmes choviam, muitos e maus. Os maiores realizadores já se haviam retirado. No entanto, uma tradição imperou e sobrevivera, imponente e elegantemente violenta, mesmo que permeável à unanimidade burra: a tradição do cinema italo-americano. Dizer que Scorsese é o seu maior expoente será algo romanceado e tendencioso, mas não hesito em pô-lo no topo. Talvez Leone e Coppola igualem a intemporalidade do legado de Martin Scorsese apenas com as sagas A Fistful of Dollars e Once Upon a Time..., do primeiro, e Godfather, do segundo. Quentin Tarantino e Brian De Palma já são, por outro lado, diferentes, mais recentes, e com técnicas mais apuradas. Que é o mesmo que dizer que pertencem a outra «era». Sobretudo, as personagens destes últimos dois realizadores adquirem dimensões caricaturais, menos humanas/desumanas e mais sublimes, seja procurando o bem próprio ou apenas um objectivo ironicamente insignificante, como a sobrevivência, ao contrário da similaritude rancorosa e vingativa das figuras de Scorsese e Coppola, tementes a Deus. Mas em todos eles há um fundo inspirador do ambiente e das personagens. Uma necessidade de sobreviver e uma necessidade de voltar sempre ao local onde tudo começou. O local em que nasceram e cresceram muitos ícones do cinema (e, naturalmente, da realidade) do séc.XX. Inequivocamente, esse ambiente é: Brooklyn.

[João Silva]