O Sonhador
O sonhador, herói trágico do livro Noites Brancas de Dostoiévsky, é um ser intemporal, que vive alheado da realidade que o rodeia. Para este ser sonhador, a realidade objectiva confunde-se com o sonho. E, quando digo “sonhador”, não me refiro apenas a um ser romântico (lamechas). Refiro-me a autênticas aberrações sociais, sonhadoras, alheadas de toda e qualquer realidade, que se vão esquecendo progressivamente das suas fraquezas, das suas dificuldades em relacionar-se com o sexo oposto e, por conseguinte, acabam por perder o seu lugar no mundo.
Assim, a pouco e pouco, o sonhador começa a desinteressar-se pelos interesses comuns, começa a viver uma vida real no sonho. Ou melhor, mergulhado numa profunda solidão, o sonhador começa a transpor os seus sonhos e as suas ilusões para o mundo real, para a vida. É nesse momento que o sonho, que começou por imitar a vida, se torna nela.
O herói trágico de Dostoiévsky, apesar de representar um caso extremo de “sonhadorismo”, quase de insanidade mental, reflecte-se ainda hoje em muitos de nós, seres mortais, incapacitados biologicamente para o confronto com o objecto de atracção.
[Paulo Ferreira]
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