sábado, novembro 13, 2004

Quando a cabeça tomba para trás e suavemente repousa no ar
como se repousasse num regaço, de uma avó, de uma coisa assim,
lembra-se de pormenores dos filmes do cine-clube , ninguém
tinha reparado nos traços de um jacto atravessando os céus, podia
lá ser, no tempo do quixote da mancha. Este miúdo vai longe.

Quando a inequívoca fotografia diz que não é mentira seres tu
o único que não ia descalço à escola, não diz senão isso. Os rostos,
todos, muito sérios e tristes, olhavam para um ponto distante
por trás do fotógrafo, de nós só aquilo restaria, aquele momento
que sempre nos disseram ter acontecido. E deve ter acontecido,
embora, olhando bem para mim não vislumbre nada de mim.

Não se notaria nenhuma diferença se eu fosse outro nessa fotografia
ou se aqueles rapazes estivessem todos calçados, se naquele tempo
nos perguntassem o que era o amor, apontávamos para cima, onde estavam
os pais, era uma pergunta difícil, talvez eles soubessem responder.
Éramos companheiros com os braços por cima uns dos outros para a escola
e quando um lagarto se assanhava à nossa frente ninguém se assustava.


Helder Moura Pereira, Lágrima

[Paulo Ferreira]