sábado, dezembro 25, 2004

Sairmos para onde

Sairmos para onde
se viver numa cidade é isto mesmo,
passar em ruas diferentes, finitas,
ir vendo outros espíritos
com insónias, falta de inspiração
maus casamentos,
que se cruzam e quase tocam,
ao de leve, o chapéu
que não usam, como quem reconhece
companheiros, gente
que trocava tudo o que tem e nem assim
ficava contente,
rostos mais velhos que ontem à noite,
quase pais de si mesmos
comparados com madrugadas
mais antigas. Homens
todos eles, vestidos como quem não ouve a meteorologia,
com cigarros, moedas
nos bolsos, uns papéis nas mãos,
um jornal que não leram.
Saímos todos hoje,
com as luzes dos candeeiros públicos
a tornar as olheiras cicatrizes
mas a certa altura
já está tudo fechado,
as ruas esgotaram-se ou são perigosas
e todos, por mais escuro
que seja o seu coração,
têm, ao contrário
dos que dormem ao relentouma chave e uma cama.


Pedro Mexia, Eliot e Outras Observações

[Paulo Ferreira]