domingo, fevereiro 27, 2005

Momento MEC II

«O que mais notabiliza o assassino português é já estar morto. Ou pelo menos preso. Os nossos homicidas matam-se e entregam-se mal estejam despachados. Os assassinos estrangeiros fazem questão de continuarem vivos. Combinam premeditadamente os seus crimes, planeiam fugas, arranjam alibis, dão luta aos investigadores. Os nossos, está quieto. Os assassinos estrangeiros voltam ao local do crime: os portugueses nem sequer se dão ao trabalho de abandoná-lo.
A sequência tipicamente portuguesa é esta: um homem de poucas posses descobre que a mulher ou a amante (ou ambas) estão a enganá-lo. Vai para a taberna, embebeda-se e anuncia a todos os presentes o que vai fazer. Um deles tenta impedi-lo, recebendo ou não um tiro pelos seus esforços. De seguida, o assassino dirige-se à barraca em que mora, sita num bairro onde os vizinhos são unânimes em não o considerar “boa rés”. Abre a porta ao pontapé, grita “Ah minha puta, que andaste a desgraçar-te a ti e aos teus filhos!”, envolve-se numa breve escaramuça e depois mata a mulher e os filhos. Geralmente com uma caçadeira ou, sabe-se lá porquê, com um machado. Finalmente, mata-se ou entrega-se. Acorrem os populares e cai o pano.»


-Miguel Esteves Cardoso, Último Volume

[Paulo Ferreira]