sexta-feira, fevereiro 11, 2005

O Baú de Nelson Rodrigues



Alguns dos melhores artigos dos primeiros tempos de Nelson Rodrigues (salvo os mais precoces rasgos de audácia, arriscaria-me a dizer «os primeiríssimos»!) na Manhã, na Crítica e n'O Globo, alguns dos melhores contos dos seus primeiros passos «a sério» na escrita, alguns louvores de que rodeia a obra do irmão Roberto Rodrigues (por quem nutria uma incontornável admiração, quase elegíaca a partir de um certo momento), e até algumas ilustrações do mesmo Roberto Rodrigues. É um raro. Mas, com um pouco de sorte, ainda vai abundar, nas livrarias certas, nos próximos tempos. Recomendável para quem nunca o leu ou só agora o está a conhecer. Mas um livro para pedestal para quem já não pode passar sem o seu legado - um legado que não deixou para ninguém, que é só dele.

«Carlos Zeuche, o pai, deslembrado da sova que lhe prometera a filha, caso ele se fosse interpor nos seus negócios, correu à Celina. Esta recebeu-o severamente!
Que velho cacete! Santo Deus!
Carlos, humilde e carinhoso, suavizando o mais que pôde a voz, observou-lhe que devia deixar o escrivão, que devia fugir àquela vida miserável.
Mas, Celina não o deixou terminar. Apoplética, furiosa, depois de atirar todos os insultos, investiu contra o pobre velhinho, armada de pau.
O ancião, fraco, pequeno, não reagiu, nem podia reagir às investidas da filha. Apenas cobria-se com os braços. Celina, alucinada, dava tremendas pauladas no pai. E, enquanto teve forças para dar, não parou. Só quando viu o infeliz velho, expulso da casa, caído na rua, ferido, é que resolveu terminar. E com um último insulto, e um olhar de desprezo, entrou no prédio, fechando com estrondo a porta.(...)
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[João Silva]