sábado, fevereiro 05, 2005

Retratos de uma democracia «em queda»

A política em Portugal não está «podre». Deixem-se de catastrofismos fáceis. A «política» (entenda-se o «debate», as «campanhas», as «tácticas» e o »poder» políticos), tal como a nossa democracia, continua igual. Desde que nos foi (re)apresentado, de rompante, o processo democrático e eleitoral, que não sabemos o que fazer com esta liberdade, nem como fazer, ou como traçar, o caminho mais rápido para o poder. O objectivo é generoso: melhorar as condições de vida no país, segundo uma concepção de política de Estado sui generis.

Não. A «política» continua bastante parecida com aquela que vimos sair da «pacificação pós-PREC». São os políticos que estão diferentes. Não se pode rever a história nem negar que tivemos um Gonçalvismo virado para Moscovo, um Guterrismo virado para a parede, um Bloco Central virado sabe-se lá para onde e outros governos que, com um mínimo de sucesso, conseguiram aguentar-se mandatos seguidos com ministros que ainda hoje lembramos à noite, em dias de infelizes insónias.
Mas nenhum destes períodos conseguiu reunir, numa correlação tão estreita, os políticos que hoje estão no topo: um Louçã cansado de se conter e cansado de ser simpático; um Portas com uma estranha fé na eternidade do poder; um Jerónimo vindo da «terra», do «trabalho», do «sindicalismo», ironicamente mostrando-se um exemplo de política concreta; Sócrates, um ex-ministro de um governo socialista desastroso para Portugal, apoiado pelo aparelho; e, por fim, Santana, um ex-guarda-costas com real gosto pelo puro poder, encabeçando, ele mesmo, um outro aparelho que veio para ficar (por agora). As perspectivas não podem ser boas.

Que as insinuações que Santana fez em relação a Sócrates foram rasteiras e indignas de um líder partidário todos nós temos consciência. Mas a exuberância da «indignação» que tem corrido pelas páginas de jornais e revistas sob forma de artigos de opinião, de colunas, de cartas de leitor, em relação à «baixeza da política que se pratica» parece-me exagerada e forçada. Cheguei a ouvir algumas declarações das vozes populares (dos partidos de «esquerda», não desses «populares») acusar Santana de fazer ataques pessoais por causa de um cartaz que apontava Sócrates como ex-ministro de um péssimo governo. Que Santana «atacou pessoalmente o líder socialista» quando o acusou de não ser capaz de ir a um debate. Ultrapassando a mediocridade do actual Primeiro-Ministro, certas pessoas conseguiram atingir um altar de ridicularidade quando deixaram passar a estupidez de Louçã (no frente-a-frente com Portas) para agora se «indignarem» com a «baixeza» da Direita.

Os políticos pós-salazarismo dividem-se, basicamente, em 3 grandes grupos, estando um deles (aparentemente) extinto: os grandes políticos, os políticos incompetentes, e os «mariquinhas». Santana Lopes afirmou, há dias, que devemos olhar para o «exemplo americano de democracia». Pois a política americana tem bastantes exemplares dos 3 grupos, mas nunca, como em Portugal, os dois últimos chegaram tão longe. Nem tão alto.



[João Silva]