A culpa de Raskolnikov
De há uns tempos para cá, o meu fascínio para com a personagem de Napoleão Bonaparte tem aumentado consideravelmente. Começo a ficar preocupado. Porém, quando penso nas razões que me possam ter levado a procurar Napoleão nos livros, lembro-me logo de Raskolnikov, personagem criada por Fiódor Dostoiévsky em Crime e Castigo. Com efeito, Raskolnikov, estudante pobre mas promissor, era dominado pela ideia de que existia um ser superior, que teria direito a uma liberdade total. Talvez por isso, Raskolnikov não se coíbe de assassinar uma velha sôfrega. Afinal de contas, seres superiores como Raskolnikov poderiam matar e roubar, se o que estivesse em causa fosse uma injustiça social. Ora, Raskolnikov, nos dias em que premeditava o assassinato da velha avarenta, tinha com ele uma biografia de Napoleão. O jovem estudante pensava em Bonaparte, e em toda a grandiosidade que o rodeava, fascinado. Dir-se-ia que, foi o tirano francês que impeliu Raskolnikov a matar.
É possível extrairmos um raciocínio semelhante no livro de George Steiner, No Castelo do Barba Azul. No referido livro, Steiner refere:« Para muitos dos que fizeram a experiência vivida da transformação, a baixa de tensão, o brusco correr das cortinas sobre a luz da manhã, foram profundamente debilitantes. É para os anos que se seguem a Waterloo que devemos virar-nos quando procuramos as origens do “grande tédio” que, já em 1819, Shopenhauer definia como o mal corrosivo dos novos tempos. » Ou seja, assim como é possível que Raskolnikov tenha sido impelido a praticar o crime pela brutalidade monumental de Napoleão, também é possível que uma das causas da Primeira Guerra Mundial tenha sido a sensação de vazio que o desaparecimento de Napoleão deixou nos povos europeus da altura.
Assim, e para grande desgraça minha, é provável que o meu fascínio crescente para com a personagem (mítica/lendária) de Napoleão Bonaparte, se deva, em grande medida, àquele estudante desgraçado e arrogante, que abdicou de toda e qualquer lei moral para adoptar uma postura, digamos, relativista.
[Paulo Ferreira]
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