sábado, abril 23, 2005

O Antonio's

Não sei se José Sócrates, o esquerdista moderno, inventou alguma daquelas decisões que tanto agradam à populaça, mas a verdade é que, as vezes em que sou proibido de ler em cafés, estão a aumentar para números preocupantes. Pode até ser que esteja errado, e que José Sócrates continue coberto pelo véu da invisibilidade. Acredito, até, que o pessoal do progresso não tenha feito circular missiva alguma pelos cafés do país a proibir a leitura de livros. Porém, não posso deixar de mostrar o meu descontentamento pela perseguição que me está a ser feita. Basta tentar pegar no livro pousado na mesa, que logo me aparece um empregado de bigode afiado a gritar, com toda a legitimidade do mundo, impropérios como «essa é que era boa!».

Diga-se que, isto não me acontece em todos os estabelecimentos. Porém, os estabelecimentos onde semelhante preciosidade não ocorre, são, pura e simplesmente, execráveis. Basta entrar num daqueles cafés com nome italiano para perceber que o progresso já lá entrou antes de mim. Desde as músicas da Britney aos carrapitos occipitais dos imberbes, tudo me leva a crer que é preferível ser proibido de ler por um vira-mexe qualquer, do que tornar-me crente de que ler livros faz mal aos olhos e afasta os olhares deslumbrados das raparigas casadoiras. É que, no meio disto tudo, encontram-se diferenças. Nos cafés castiços, onde me proíbem de ler, ainda existe a crença de que viver custa trabalho e sofrimento (por isso chego a ter alguma condescendência por aquele senhor de bigode, que acha que este rapaz deveria estar a fazer alguma coisa produtiva para a sociedade dele). Pelo contrário, nos cafés modernos, julga-se que a vida pode ser feita através de coisas como a felicidade eterna e a paixão louca. Julga-se que ler livros é mau porque causa enxaquecas. E isso irrita-me muito mais do que a simplicidade arrogante de um empregado de mesa.

[Paulo Ferreira]