quarta-feira, julho 06, 2005

Fernanda

Fernanda andava na vida. Era, portanto, uma mulher amargurada, engolindo insultos, entre outras tantas sevícias que a vida impõe.
O próprio nome era ingrato. Másculo. Nem um «Maria» para amenizar e santificar. Não, Fernanda era Fernanda, soando a mulher que arregaçava as mangas para ganhar a vida.
Ao fim do dia, no entanto, destacava-se pela estável vida conjugal que parecia levar. Nem sempre fora normal no seu ramo, e no caso do seu local de trabalho continuava a não ser. As colegas mais novas juntavam-se para o esforço habitual: «Fernanda, ele é banana! Arranja um destes e sai para te divertires!». E era mesmo. O Sr. Inácio nunca se preocupara mais com o emprego da mulher do que com a programação televisiva.

«Fernandinha, qualquer dia vais acordar velha e ver que a tua vida e o teu marido nunca prestaram... Aproveita agora». A pressão exercida acabou por surtir efeito, rebentanto numa noite de Verão em que o marido, desempregado e eterno caseiro, lhe gritou numa inédita e breve discussão: «Nunca te arranjas como deve ser para mim, cá em casa!».
O abandono não se fez tardar. Os avisos também não. No primeiro dia de férias, já estava no aeroporto com um antigo cliente extrovertido. Destino: Havana.
Os risos cúmplices e o desassossego apoderavam-se de ambos na alfândega, quando Fernanda fora buscar as suas malas. «Eu levo», dizia o extrovertido. «Não, esta não», retorquia Fernanda, enquanto apertava a mão na pega da sua mala de viagem favorita. Lá dentro, os saltos altos novos, prenda de anos de casados, e metade do marido.

[João Silva]