Uma brisa de Stalingrad
Josef acordou a meio da noite gritando um nome. Suava e sentia um enorme aperto no estômago. Acontecia o mesmo todas as noites, mas hoje era uma dor especial. Tinha tido um dia em cheio.
Saiu da cama, dominado por um estranho presságio que trouxera do pesadelo. Correu para o telefone querendo confirmar o seu trabalho. Pediu à telefonista do Partido que ligasse para Nikolai. «Esse número já não existe, camarada Josef S.», disse a telefonista. A memória longínqua dos seus actos presentes voltou-lhe então de repente, ainda que à revelia da ética que aconselhava.
Morto Nikolai o que se seguiria? Ou quem? Olhou para a repugnante foto dos dois, lado a lado, numa reunião e conheceu, por fim, o abismo que era a sua vida.
Tentou abrir a porta do quarto mas esta estava trancada, pelo menos enquanto não viesse a hora certa, a hora do pequeno almoço do ditador. Ao voltar, resignado, para a cama, lembrou-se que sempre achara que Nikolai o trairia um dia. Sorriu sozinho perante a imagem dos sacrifícios pessoais. Ao fechar os olhos, sorrindo, ainda disse alto: «Um dia, todos me agradecerão».
[João Silva]
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