sábado, julho 30, 2005

O romântico

Algumas mentes menos esclarecidas têm a infelicidade de cair na vulgar trapaça que a semântica reserva na apresentação popular de certos «ismos». Sem o hábito da curiosidade intelectual (i.e., conhecimentos «secundários» ou de documentos originais), a descontrução semiológica dos termos que se lêem poderá cair em seco num estômago vazio. A exemplo flagrante: para o menino e para a menina, o Romantismo poderá tomar os contornos de uma doutrina abstracta que recomende aos amantes proibidos que se atirem de um penhasco em direcção a um riacho encoberto em névoa, isto após se terem entregado aos prazeres amorosos na copa de um abeto. Ou seja, o Romantismo poderá equivaler, para quem lê ensaios sentado numa sanita, a um convite à loucura ou a uma cegueira real, ainda que de origem psicológica. Por oposição a um ser racional, o herói romântico será visto como um amante não correspondido, de cabelo desgrenhado e camisa aberta até meio do peito.

Goethe, no seu Werther (Die Leiden des jungen Werther), modela um protagonista homónimo que preconiza já uma determinada atitude que se atribui ao séc. XIX. A famosa obra de Goethe poderá ser um esclarecimento a uma ou outra pessoa que estaria em erro ao pensar que a atitude romântica nasce das circunstâncias sociais oitocentistas. Assim, não sem uma certa ironia, o senhor Johann Wolfgang transmite a Werther uma certa petulância humana que, ao contrário do que se pensa, não eleva o amor e a temática onírica acima de tudo o resto, mas sim impregna a sua visão das «coisas» de todo um sentimento subjectivo, impermeável às influência de outros: «Ah!, as pessoas razoáveis!», exclamei eu com um sorriso. «Paixão! Embriaguez! Loucura! Eis-vos impassíveis, totalmente desinteressados, vós, os homens da moral, que censurais o ébrio, vos afastais, horrorizados, do louco, passais ao lado como o sacerdote e agradeceis a Deus, como o fariseu, por não vos ter feito como um destes. Eu próprio já estive mais que uma vez embriagado, as minhas paixões nunca estiveram longe da loucura e não me arrependo de nada: é que, à minha medida, aprendi a compreender que todos os homens extraordinários que realizaram qualquer coisa de grandioso, que parecia impossível, sempre foram declarados ébrios e loucos.

Para quem anda confuso com a capacidade do sujeito alienado pelo amor de compreender, ainda que deliberadamente não lhes dê importância, os sentimentos que rodeiam o «amor», poderá ser uma situação esclarecedora.

[João Silva]