terça-feira, julho 26, 2005

Jardim

Foi numa tarde de Verão que te conheci. A primeira coisa que me chamou a atenção em ti não foi, como se poderia pensar, a tua beleza. Com efeito, eras bela. No entanto, foi a forma como te defendias das investidas do teu companheiro de mesa que fez com que me tentasse aproximar de ti. Embora demonstrasses para comigo uma indiferença quase assustadora, ganhei coragem para me levantar e dizer-te que, mesmo não te conhecendo, te admirava desde a Idade Média, por seres tão bela e tão astuta. Naquela tarde de Verão, a minha vida mudaria. E eu sabia-o. Foi por isso que, mal te viste livre daquele sujeito com feições de playboy, me sentei a teu lado. Foi ainda por isso que peguei na tua mão e te puxei para longe daquele lugar que nada tinha que ver com pessoas apaixonadas (estava apaixonado por ti, era um facto).
Já na rua, tentei soltar umas palavras desesperadas, típicas de quem sabe que o amor tem hora marcada para chegar e para voltar a partir. Porém, as palavras custavam a sair. Afinal de contas, estava apaixonado por ti. E, como se sabe, quando uma pessoa se apaixona por outra, não se encontram palavras para se prolongar eternamente a ilusão de um sentimento que é o amor. De qualquer forma, beijei-te na boca. Não resististe. Mas, num impulso de timidez, pedi-te desculpa. Disseste que não fazia mal. Beijei-te outra vez, como se quisesse prolongar aquele beijo e aquilo que estava a sentir por ti naquele momento para o resto dos meus dias. No fundo, sabia que todos aqueles chavões que me passavam pela cabeça eram uma farsa; sabia que estavas destinada a desaparecer indefinidamente. Nem sequer me espantei quando me disseste que aquele sujeito com feições de playboy do café era teu patrão e que tencionavas casar com ele. Como me dirias agora, «uma mulher tem sempre de passar a um estádio superior!».
Acabei por esquecer-me de quem acabou por deixar o outro sentado sozinho num banco de jardim, mas talvez tenha sido eu quem ficou com a penosa tarefa de me arrastar pela lama da noite. Também já não interessa. Agora és uma mulher casada. Agora tens uma carreira de advogada. Mas, só para que se saiba, foi numa tarde de Verão que te conheci. Foi nessa mesma tarde de Verão que te comecei a esquecer.

[Paulo Ferreira]