O mundo dos heróis
Desde muito cedo que tenho por hábito idolatrar certas figuras históricas que, pela sua bravura e coragem, foram admiradas e odiadas pelos seus contemporâneos. Julgo que esse hábito nunca me influenciou muito em termos de preparação para o mundo. Não foi por ter admirado, na infância, figuras como Napoleão Bonaparte que me tornei um indivíduo nefasto para os que me rodeiam. Talvez isso seja mentira, mas também não é isso que interessa. A verdade é que tenho heróis desde muito cedo, muito embora sempre me tenham dito que ter heróis é mau. Pois bem, eu tenho heróis. Alguns perderam-se, outros ficaram, embora, com o tempo, os que ficaram tenham ganho a meus olhos uma imagem mais humana.
Napoleão Bonaparte, o homem que saiu da Córsega para tentar, de forma megalómana, tentar fazer uma Europa à sua medida, era visto por mim, na infância, apenas como o homem perfeito e triunfal que aparecia nos retratos de Antoine-Jean Gros ou de Jacques-Louis David. Quando pensava em Bonaparte, pensava no herói que se tornou Imperador. Não me passava pela cabeça que Napoleão não tivesse características físicas heróicas ou que a França do século XVIII e XIX fosse um perigo para o resto do mundo. Na minha cabeça de criança, Napoleão Bonaparte era tão perfeito quanto uma escultura romana. Porém, ao ler Paul Johnson percebi que a minha admiração por Napoleão não poderia ser duradoura.
Uma outra admiração que mantinha nos tempos de meninice era em relação a Lord Nelson. Com efeito, para mim, Lord Nelson era simplesmente um outro herói que rivalizava com a França,em geral,e com Napoleão Bonaparte,em particular. Contudo, com o passar dos anos, ao mesmo tempo que o meu amor pelo derrotado de Waterloo se desvanecia, ia apreciando cada vez mais a vida de um dos meus heróis de hoje que é o almirante britânico Horatio Nelson. Quando me lembro da figura heróica de Lord Nelson, lembro-me da sua postura destemida nos mares, quaisquer que eles fossem. A imagem de Lord Nelson a romper a linha de navios espanhóis e franceses em Trafalgar no seu Victory, deixa-me, ainda hoje, fascinado. Ao contrário de Napoleão, que deixou a minha admiração enterrada com ele em Santa Helena, Nelson faz com que, de vez em quando, ainda me lembre de que um dia houve um homem que não tinha um braço e que era cego de um olho, que lutou até à morte em Trafalgar pelos seus valores e pelos valores de toda a sua civilização, civilização essa que, infelizmente, nunca chegou a ser a nosssa.
[Paulo Ferreira]
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