Heróis de sangue
Um requisito essencial para que se chegue ao herói é, por mais estranho que pareça ao leitor, a deficiência física. A deficiência física faz com que o herói se torne um indivíduo com defeitos, problemas e doenças físicas, tal como o ser humano comum. Reconheço que existam certas personalidades que, pelos seus feitos, consigam figurar no alto panteão dos heróis impolutos, inexoráveis. De certa forma, heróis brilhantes como Alexandre da Macedónia nunca me disseram nada. Seguindo a mesma linha de raciocínio, também nunca tive grande fascinação por certos heróis que, por serem tão perfeitos fisicamente, chegam a roçar os limites estéticos da efeminação. Páris, herói-vilão da Ilíada é exemplo de uma personagem (literária, é certo) que nunca me agradou. Por outro lado, e permanecendo ainda dentro da Ilíada, sempre tive uma certa fascinação por Aquiles, o homem quase perfeito que tinha o grave problema de ser frágil nos seus calcanhares (tanto que morreu com uma seta espetada no calcanhar, o que não deixa de ser caricato).
Sendo, então, para mim requisito essencial que um herói tenha certas debilidades físicas, não posso deixar de mencionar, a este propósito, a figura impar de Lord Nelson, o herói do Nilo e de Trafalgar. Com efeito, como já aqui referi por demasiadas vezes, Lord Nelson liderou a estratégia britânica em Trafalgar apenas munido de um braço e cego de um olho. Para além de todos os contributos históricos que esta personagem possa ter dado para a permanência do mos maiorum britânico, a verdade é que Lord Nelson é um herói enorme devido ao facto de ter combatido sempre com grandes debilidades físicas. Se Nelson fosse um herói sem sangue, perfumado, perfeito, não teria, com certeza, a projecção que ainda hoje tem no seu país e um pouco por toda a Europa Ocidental.
[Paulo Ferreira]
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