Apologia do tabaco
Fumar é um acto cívico. Tão cívico quanto outro qualquer. Minto. Fumar não é um acto tão cívico quanto ler boa literatura (a menos que se consiga conciliar o acto de fumar com o acto de ler).Por outro lado, existem actos que não são cívicos. Por exemplo, comer de boca aberta não é um acto cívico. Dizer o que vem à cabeça também não o é. Mesmo assim, não poucas são as pessoas que comem de boca aberta ou as pessoas que só falam aquilo que lhes dá na real gana. Exceptuando algumas (poucas) excepções, são essas mesmas pessoas que devoram um porco à vista de todos ou que, seguindo os padrões do novo-riquismo, se dão ao prazer de conciliar a combinação de lexemas estrangeiros (pastiche, por exemplo) com o português padrão exigido às pessoas que dizem sempre o que pensam e que pensam sempre o que dizem. Para essas pessoas respeitadoras da forma de viver nacional, fumar não é um acto de civismo. Não. Para essas pessoas, fumar é um acto diabólico, é uma forma repugnável de afronta aos padrões nacionais e humanos. Com efeito, para quem vive a sua vida com hálito de cebola, fumar é um acto repugnável e hediondo que, um dia, acabará por destruir o mundo. Porém, para esses grandes devoradores de pensamento light, digo e repito: fumar é um acto cívico. Tão cívico quanto outro qualquer. Fumar não prejudica a saúde: enaltece o espírito. Fumar, ao contrário do que muito se pensa, não mata, consome. Fumar ajuda a fugir, ajuda a passar o tempo, ajuda a quebrar os momentos de solidão. Enfim, fumar ajuda um pouco a enfrentar esta confusão a que se chama vida.
O acto de fumar é um acto cívico, repito. Quem se esquece disso, esquece-se que, durante a Segunda Guerra Mundial, o melhor amigo do soldado foi o cigarro (ou, noutra perspectiva, a sua arma). Esquece-se ainda que o café sabe melhor quando se fuma. Esquece-se ainda que dá mais estilo. Que torna mais cool andar com um cigarro a roçar a ponta dos queixos. Quando se fuma, é-se James Dean, é-se Elvis, é-se De Niro. É-se cool. Mesmo a ler o jornal, fica sempre bem o cigarro da praxe. Portanto, àqueles sujeitos que dizem sempre o que pensam e que pensam sempre o que dizem (durante o tempo que gastei a mudar de parágrafo, cheguei à conclusão que isso inclui os que comem de boca aberta), deixo uma sugestão: ponham um cigarro na boca e esqueçam lá o fumo e o futuro do ambiente. Ou então deixem de andar de carro.
[Paulo Ferreira]
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