John «I Stand For Nothing» Kerry
Um dia, quando as paixões suscitadas pelas eleições americanas sossegarem, os historiadores e os analistas da política externa dos Estados Unidos não deixarão de reparar numa notável passagem do discurso de aceitação da nomeação de Jonh Kerry: "Como Presidente - declarou Kerry - trarei de volta esta nação à sua honrosa tradição: os Estados Unidos nunca irão para a guerra por vontade própria, só iremos para a guerra quando formos obrigados a isso. Esse será a posicionamento da nossa nação." Esta declaração recebeu os mais calorosos aplausos dos congressistas democratas.
Por certo que, face a esta declaração, os historiadores diplomáticos devem ter pensado em suicidar-se por compreenderem que, afinal, não entendem nada do que são as tradições do país. E, provavelmente, até alguma opinião pública estrangeira entusiasmada com a possível vitória de Kerry em Novembro terá reflectido sobre o grau de politicamente correcto e de inocência exibido pelo candidato. De facto, quem para além de um político americano, perguntar-se-ão, poderia garantir que os Estados Unidos nunca foram para a guerra a não ser forçados a tal?
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Se realmente Kerry se revelou naquela frase, num momento de real sinceridade, então é altura de todos olharem honestamente para onde ele conduziria o país, caso fosse eleito. A "doutrina da necessidade" de Kerry, se entendida com seriedade, representaria um pacifismo e um isolacionismo como os Estados Unidos não conhecem desde a década de 30 do século XX. Excluiria todas as guerras travadas por motivos humanitários, todas as intervenções destinadas a prevenir genocídios, a defender democracias ou, como teria sido o caso do primeira guerra do Golfo, a repor a lei internacional contra os seus agressores. Porque todas essas guerras seriam "guerras de escolha".
Para alguém que disse que pretende estabelecer melhores relações com o resto do mundo, a doutrina Kerry resultaria numa política externa baseada em avaliações mesquinhas e egoístas dos interesses americanos bem para além do alegado "unilateralismo" da Administração Bush. Talvez fosse por isso altura de alguns europeus pensarem se querem que a política externa hiperambiciosa de Bush seja substituída por um recuo isolacionista. Depois de ouvirem o discurso de Kerry, talvez devessem começar a preocupar-se.
Robert Kagan, in Público / Washington Post, 14/08/04
[João Silva]
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