quinta-feira, setembro 02, 2004

A barbárie e o tédio

George Steiner, no primeiro ensaio do livro No Castelo do Barba Azul descreve "um grande tédio" que se instalou na Europa Ocidental, desde o fim da era napoleónica até ao início da Primeira Grande Guerra, que provocou uma espécie de revolta interior dentro dos europeus da época. "Os movimentos que se repetem ou a inacção, se se prolongarem no tempo necessário, segregam um veneno no sangue, um torpor ácido.". É desta forma que Steiner descreve esse tédio.

Este grande período de paz (1815-1915), apenas interrompido por curtas guerras como a guerra da Crimeia, modelou a sociedade ocidental. E é nesse período que se seguiu a Napoleão que se devem procurar as origens desse grande tédio que originou a Primeira Guerra Mundial. Afinal de contas, o povo europeu estava habituado à acção e à mobilidade provocadas pela Revolução Francesa de 1789 e pelas guerras napoleónicas.Depois desse espaço de tempo, no qual a ideia de progresso tinha-se tornado quase uma possibilidade concreta, seguiram-se tempos de paz, reacção e imobilidade, que fizeram com que a loucura e a morte fossem preferíveis a uma pacata forma de viver burguesa.
Assim sendo, o colapso de esperanças revolucionárias, a partir de 1815, deixou atrás de si um amontoado de "energias turbulentas e sem escape".

"(...)Se nos detivermos para observar as fontes do saber que temos a seu respeito, verificaremos que não raro são puramente literárias ou artísticas, que o nosso século XIX interior é uma criação de Dickens ou Renoir. Se dermos ouvidos ao historiador, especialmente ao historiador radical, rapidamente nos compenetraremos de que o «jardim imaginário» é, sob certos aspectos decisivos, uma simples ficção. É-nos dado a entender que a crosta de requinte civilizacional cobria profundas fossas de exploração social; que a ética sexual burguesa mascarava uma imensa área de hipócrisia turbulenta; que os critérios de formação cultrural exigente diziam respeito a muito poucos; que o ódio entre as gerações e as classes era visceral, ainda que muitas vezes silencioso; que a segurança do faubourg e do parque estava directamente ligada à ameaça, reconhecida mas contida, dos casebres e tugúrios. Quem quer que queira abrir os olhos poderá descobrir o que era um dia de trabalho numa fábrica vitoriana ou como a mortalidade infantil atingia grandes números das regiões mineiras do Norte de França durante as décadas de 70 e 80 do século passado."

George Steiner, No Castelo do Barba Azul

[Paulo Ferreira]