Os ciclos variáveis de Portugal
As vozes mais optimistas (o optimismo é o ópio dos eternos fracos) da direita portuguesa - daqueles rapazes que, habituados à hierarquia própria das faculdades de Direito e Economia, seguirão o «Líder», seja ele qual for - parecem agora estar de acordo com a decisão de Jorge Sampaio de dissolver a Assembleia e invocar, como manda a Constituição, eleições antecipadas. Dizem eles, com alguma consternação, que «confiam na decisão do Presidente da República», o que se torna, por si só, complexo, visto que eram os mesmos que queriam «dar mais tempo ao Governo de Santana Lopes». Mas o problema desta dissolução, embora a queda de um devaneio político como aquele me agrade, é outro...
Tem que se criar, ou recuperar, a noção social, constitucional e política que é a base da democracia, ou seja, ter consciência de que um governo é um ciclo, não é um reinado semi-parlamentar em que o monarca pode ser deposto a qualquer altura, sem qualquer outro compromisso, que implicaria que poderia lá ficar 20 anos. Não, cada governo tem 4 anos. É um compromisso. Mais, é um projecto legislativo e institucional que os cidadãos eleitores votam e «aprovam», mesmo que não tenham uma noção completa e esclarecida dos caminhos que se vão abrir nos próximos quatro anos.
O problema que esta dissolução pode, e vai, decerto, trazer é a crença geral de que o «Povo» tem influência directa no processo governamental. De que um Primeiro-Ministro, ou um gabinete de ministros existem porque o «Povo quer». A «opinião» elege governantes, mas não governa. Uma manchete ou duas em jornais famosos não podem alterar, de imediato, um governo pelo veículo «Povo». Há cidadãos, individuais, em causa, numa sociedade que se quer democrática e sob influência de uma instituição democrática. Não se pode manipular a sua vida, e os seus direitos, consoante uma moda geral. É o afirmar do «ar do tempo», como dizia há dias o meu caro amigo Bruno, na política portuguesa.
Há duas coisas no «processo político» que assustam, de morte (literalmente, tendo em conta a história do séc. XX), um conservador: um Presidente ou um governante de plenos poderes, e um «Povo» que acredita que começa e acaba governos quando lhe apetece (ou quando a demagogia assim o lembra). Juntos, mais do que assustar, destroem o conservadorismo, mesmo que moderado. Fazem o fim de um governo equilibrado mas, sobretudo, de uma sociedade regrada. Que, sem exagero, fica muito perto do fim da democracia...
[João Silva]
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