Carpe diem e o pretensiosismo do parolo
Haverá expressão mais irritante que o carpe diem? A adolescência, agora mais graúda e menos púbere, do meu país, na minha geração e nas gerações que nos circunscreviam, fez uso exagerado da expressão. Graças à generosidade do Criador, que tanto me castigou na herança estética, tive a perseverança do meu lado nesta difícil missão: sobreviver à deliciosa tentação do carpe diem.
Diz o Zé da Esquina perante o próprio insucesso enquanto estudante: «não penso nisso, o meu lema é carpe diem». Diz o Martins à saída do banco onde desconta cheques: «hoje saímos à noite? o que interessa é carpe diem». Escreve o bucólico e feminino poeta de esquerda no caderno: «carpe diem, dizia Shakespeare». A lista de utilizadores é interminável e cheia de surpresas. A expressão não tem pudor, está em todo o lado. «Aproveita o dia», enquanto não desapareces, parece ser o lema imperecível dos mais sonhadores.
Seize the day, dizia Robin Williams no famoso filme que parece ter sido visionamento obrigatório para a rapaziada. Eu estou do vosso lado: a vida não vale nada, e podemos desaparecer amanhã. Mas caso tal não aconteça, tentem não ser parvos hoje, porque amanhã podem cá estar de novo para encarar as imbecilidades que fizeram e disseram. E o carpe diem, adianto, não parece ajudar... Para alguns, «aproveitar o dia» podia ser estar calado e quieto no seu canto.
[João Silva]
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