O silêncio
Em tempos de progresso, nada mais essencial do que escrever algumas banalidades sobre o problema do silêncio, que é um problema que me atormenta há muito tempo. Com efeito, parece que, de há uns anos para cá, o silêncio anda desaparecido. Percorre-se as ruas, num silêncio aparente, e logo aparece o turbilhão sonoro, tão característico dos grandes espaços urbanos. Dentro de casa, a mesma coisa (desde a incessante televisão aos ruidosos familiares afastados, todo o ambiente caseiro parece definitivamente afundado no barulho). No metro, há música. Parece ridículo mas é verdade. No metro, logo pela manhã, uma pessoa é inundada pela gritaria de um rapaz, que se diz cantor. Ou seja, por mais que um indivíduo procure um pouco de silêncio, não o consegue encontrar.
Ora, nada teria contra o facto de o mundo querer viver como se fosse um megabyte. Até fico satisfeito por ter o privilégio de falar quando quiser, e do modo que quiser. Afinal de contas, a liberdade de expressão é uma coisa bonita. O problema é que, com a ausência do silêncio, a capacidade de raciocínio de uma pessoa resume-se a um grande zero. Melhor, com a ausência do silêncio, a capacidade humana para o raciocínio metamorfoseia-se. Não desaparece, metamorfoseia-se. Torna-se numa capacidade baseada num negativismo intelectual frustrante. Isto é, o raciocínio torna-se no facilitismo, no deixa andar, na comunhão de conhecimento a la google, no que quer que seja, menos em algo que tenha que ver com inteligência.
[Paulo Ferreira]
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