sexta-feira, maio 20, 2005

Isaltino Morais

A certa altura, em Bottle Rocket, de Wes Anderson, Dignan (Owen Wilson, um excelente actor «incompreendido» por muitos, entre os quais ele mesmo) diz a Anthony (Luke Wilson), sob uma cara sofrida, o que pensa de Bob (Robert Musgrave), o terceiro elemento do «pseudo-gang»: He has no character, man! Sem exagero, é essa mesma frase que agora me parece caracterizar as últimas semanas de Isaltino Morais, que tão generosamente se expôs, de bom grado, ao ridículo da risada pública, tão evidente no último Prós & Contras, programa de faca e alguidar.

Sempre mantive uma enorme distância da consideração geral, popular e de má-fé, de que Isaltino Morais pertencia à longa lista dos autarcas (e depois membros de um governo executivo) possíveis de incorrer em actos menos lícitos. No entanto, também nunca tive visões positivas, elogiosas, quanto ao referido político. De qualquer forma, nunca esperei pelo momento tão aguardado, parece-me, em que Isaltino estaria debaixo de investigação, e, como agora parecem rejubilar os mais histéricos (publicamente encabeçados por Fátima Campos Ferreira), muito menos terei tendência para me deixar levar pela árida maré da «opinião pública», do julgamento público, mediático.

Mas o problema, na hipotética, e agora real, candidatura de Isaltino Morais à Câmara Municipal de Oeiras, não é a sua legitimidade ou falta da mesma para exercer o cargo que anteriormente ocupara, nem tão pouco perdeu o direito a tal por ser alvo de uma investigação. Para além de não ser «culpado», embora já o seja na televisão à hora de jantar, nem ser arguido (que é, só por si, muito relevante), Isaltino beneficia ainda de uma certa lógica liberal que permite que quem vive em Oeiras possa reeleger alguém que, segundo muitos dizem, fez um bom trabalho por Oeiras.

O problema é, sobretudo, a burocracia judicial (entre tantas outras...) em que estamos afundados, desde tempos imemoriais, neste malfadado país. É o problema de, à portuguesa, não ser «culpado» nem «inocente» até mais ver, o que equivale a ser um político corrupto, indigno, culpado e fora-da-lei segundo os padrões jurídicos de quem apenas lê os cabeçalhos das notícias dos jornais.

No entanto, mais ainda, o problema é a vontade exagerada que Isaltino tem de voltar ao seu cargo em Oeiras, vontade essa que tem vindo a mostrá-lo, em todos os sítios mediáticos possíveis, numa exposição pública dispensável e permeável ao ridículo. E temo bem que seja, precisamente, esse ridículo a que se expõe (que passa dos comentários dos populares e dos jornalistas para a sua própria imagem) o seu pior inimigo para um futuro em cargos políticos em Portugal. O mal não é de Isaltino, nem é dos portugueses mais desconfiados, é do país em que vivemos. Na verdade, estamos apenas demasiado habituados a escândalos.

[João Silva]