segunda-feira, julho 18, 2005

Coisas que se perdem com o tempo

Só mais tarde me apercebi do investimento que o meu pai depositou na minha educação. Isto, durante anos de tormento privado e público, quando a amarga necessidade de encontrar um qualquer futuro para nós, à medida que se aproximava o nazismo, o deixou emocional e fisicamente exausto. Ainda me espanto com a ternurenta astúcia das suas maquinações. Não me era permitido ler nenhum livro novo até ter escrito, para sua inspecção, um resumo daquele que acabara de ler. Caso não tivesse percebido um determinado passo - as escolhas e sugestões do meu pai eram sempre criteriosamente direccionadas um pouco acima da minha cabeça - deveria ler-lho em voz alta. Frequentemente, a voz esclarece um texto. Se a incompreensão persistisse, tinha de copiar o excerto relevante na minha caligrafia - actividade que, geralmente, acabava por desvendar o filão.

George Steiner, Errata: Revisões de uma vida

[Paulo Ferreira]