Variações em torno de um conceito III
Stanislaw só lera Kafka. Ocupava os seus dias a reler e a anotar os seus exemplares do escritor. Poder-se-ia dizer que vivera à sombra da influência deste.
Uma noite, numa estação de metro vazia, dois homens agrediram-no quase até à morte, rasgaram-lhe a mala e atiraram os seus livros e anotações para o poço da linha do metro.
Mesmo depois dos agressores saírem, Stanislaw deixou-se ficar estendido, de cara no chão. Sangrando. Sem dentes da frente. Os dedos da mão direita esmagados. Não se afligia com o seu estado. Na verdade, apetecia-lhe sorrir. Fechou os olhos e pensou: «Sou kafkiano».
[João Silva]
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