O «!» irreverente
Os pontos de exclamação sempre foram preteridos neste blog. Não só. Também na minha escrita particular e mais (ainda mais) frágil, os pontos de exclamação são seres estranhos. Não é uma questão de querer transmitir um tom de voz monocórdico e sereno, embora faça parte da minha identificação com as obras que leio ou vejo essa rescisão com fúrias que só fazem sentido numa certa adolescência - veja-se, por exemplo, o exagero vocal e vocabular no monólogo esquizofrénico de Monty/Edward Norton em 25th Hour (no entanto, um dos melhores «Spike Lee joints»).
O ponto de exclamação é algo que invoca os «macaquinhos no sótão» de cada um, uma necessidade iminente de gritar em público. Não é, certamente, acidental a presença destes «senhores pontos de exclamação», tentado gritar ao leitor, nos folhetos ditos «informativos» e pedinchantes de partidos a puxar para um extremismo datado, tanto à direita como à esquerda.
Mas voltemos à literatura. Diz Pedro Mexia no DN: «As exclamações só me parecem toleráveis em diálogos e no discurso directo. E mesmo assim, com moderação. É que a exclamação torna desnecessariamente enfáticas frases cuja ênfase se entendia mesmo sem essa pontuação. (...) Digo o mesmo que Ruy Belo dizia contra as maiúsculas não gosto que certas palavras [ou frases] levantem a cabeça. Sei que há génios da exclamação. O torrencial Céline, acima de todos. Mas o que vale para os génios não vale para mais ninguém».
Ora, como sou um aficcionado das aspas, talvez não tenha legitimidade para me tornar um odioso dos pontos de exclamação, que evito tanto quanto discotecas, mas, por aqui, é provável que as vezes que encontram esses pontos mal-educados se contem pelos dedos de uma mão. Até mesmo por ser um sinal furioso e irreverente dos tempos, o ponto de exclamação não é uma das paixões de quem escreve, sobretudo, com uma enorme sensação de perdição pessoal, e consequente indiferença. Caso dos autores deste blog.
[João Silva]
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