sexta-feira, novembro 11, 2005

Livros leves

Para quem gosta de sugar, avidamente, frases seguidas de um qualquer livro no café (eu incluído), a distinção resulta natural, inconsciente: há livros para o café e livros para um ambiente isolado (casa, digamos). Mas, se quisermos falar de livros e não de literatura de cordel, temos de afastar neologismos redutores. Um desses conceitos condenáveis é o «livro light».
Eu diria facilmente que não há livros light. Mesmo compreendendo o porquê da afirmação e o grau de respeitabilidade que não deixa, normalmente, de se atribuir ao autor, é-me difícil passar da noção de «livro de café» para uma categorização como a de livros light.

Não há livros light de determinado autor. Há, isso sim, «autores light» (para ser politicamente correcto, diria que até isso apenas depende do leitor, da sua leveza ou não de intenções na leitura). Por outro lado, a escrita é um universo único. Spielberg, por exemplo, esse sim, tem filmes light e filmes «épicos». Curiosamente, até são os filmes mais desprendidos que me agradam mais. Schindler's List é um filme muito bom e memorável (ainda que seja trabalhado para a lágrima), mas bastaria Catch Me If You Can para - não numa completa abnegação de gosto - mostrar que é um bom realizador. Saving Private Ryan é um marco importante no género, mas é The Terminal que não cansa ver muitas vezes, com um Tom Hanks menos forçado, mais único.

Já George Steiner, digamos, não tem livros light. Os seus livros são livros despretensiosos sobre temas modernos, um pouco virados para a abordagem «anti-académica», mais humana, mas não deixam de ser (todos) livros de um humor erudito e de um erudito. É normal a sua naturalidade em todos os domínios, mas abandoná-la por um pouco nem é pecado. Penso que não há frases leves para sugar à pressa «antes das cinco da tarde», tudo depende da seriedade com que encaramos certo livro de certo autor. Pessoa, por exemplo, poderia ser vítima das interpretações mais contraditórias. Mas penso que não há autor (entre os «bons» escritores) que escreva deliberadamente para mentes menos preparadas. Aliás, como dizia Steiner numa entrevista há uns tempos atrás: alguém que ame deveras o ser humano não tem qualquer condescendência para com ele; sabe aquilo de que ele é capaz.

[João Silva]