Eterno marido
Eterno marido é o título de uma obra de Dostoiévski. Eterno marido é também uma definição simpática para indivíduos que passam a vida a ser traídos pelos seus cônjuges, sem o saberem. É óbvio que, à partida, não existem personagens-tipo que representem o sujeito constantemente humilhado pelo seu parceiro. Isto porque, normalmente, quem é traído não sabe que o é. Por outro lado, quem vive no exterior de uma relação consegue, nem que seja à base da suposição e do exagero, decifrar se A trai B ou se C vai para a cama com D. Dir-se-ia que, para os amigos do hipotético corno (por hipotético corno, leia-se todos os indivíduos que tenham o azar de ter uma relação amorosa com alguém bonito), a traição é um facto histórico inamovível. Porém, como se sabe, nestas coisas do amor e da traição os amigos são péssimos conselheiros. É por serem péssimos conselheiros que os amigos pensam ter grandes capacidades de adivinhação, no que se refere à facadinha no matrimónio (e aqui reside uma pequena esperança para quem se sente traído). Mas, geralmente, essa capacidade não existe.
Por outro lado, acredito que exista uma espécie de «corno pré-definido». Ora, o «corno pré-definido» é aquele sujeito alegre e prestativo que morre de amores pela sua mulher e que, por isso, a mima excessivamente de carinho; é aquele sujeito que se sujeita a vários tipos de humilhação com uma subserviência conjugal deprimente. No entanto, a existência de um «corno pré-definido» não implica a existência do corno enquanto personagem-tipo, já que, como escrevera Fourier, o corno pode assumir dezenas ou centenas de formas diferentes. Por exemplo, tanto se pode encontar um sujeito traído a assumir a dor publicamente como se pode encontrar um corno mentiroso, que renega os factos como a criança que esconde a boca da colher de sopa.
[Paulo Ferreira]
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